O trabalho que Camarro apresenta nesta exposição tem o cunho inconfundível de figuras aladas, transparentes, plenas de luminosidades, lembrando figuras angelicais de um mundo simbolizado de esperanças e entendido como um reino espiritual que aguarda uma maior compreensão e solidariedade entre os homens.
A personalidade artística de Camarro deve ser como tal ententida e sentida como uma manifestação pictórica, com predomínio de cores dentro da mesma cor, elevada de texturas, de luzes e movimentos. Dir-se-ia que o seu léxico cromático e objectual, porque pleno de simbolismo, é facilmente identificável de soluções diversificadas de apresentação de um sistema que leva o espectador a pensar que está na presença de variações sobre um tema de âmbito musical.
Na realidade, vamos encontrar uma manifestação cromática feita de sucessivas escalas, numa seriação formal surpreendente de sedução, proliferada de referências, de luzes e de arranjos significantes que revelam a explicitação de um artista com alma. Camarro modela as cores puras, como fonte energética afim de dar vida às soluções formais, predominando, deste modo, as cores frias e cálidas que são particularmente reservadas para a representação das figuras aladas e fazem ganhar o enorme vigor dos seus brancos. Camarro faz, no caso vertente, prevalecer a combinação de uma selecção de figuras míticas que povoam a nossa emaginação. Dá-lhes corpo, transparência e espírito. Sedução e mistério. Magia. Bailado.
Nesta linha de caracterização poderemos dizer que a pintura de Camarro assenta num eixo combinatório de múltiplas disposições conseguidas em torno de uma entidade espiritual de transparente configuração e cuja força estética se organiza em sucessivos arranjos que necessariamente explicitam explicações de um mundo novo, de uma outra era e de um outro sentido de vida muito mais elevado. Aquela vida que se espera ver concretizada no próximo milénio. Neste sentido, Camarro é já um pintor de transição.
O movimento transcendental destas figuras aladas é, com a simplicidade matéria das soluções cromáticas e das texturas adoptadas, dentro da técnica do claro-escuro, o pano de fundo de um conceptualismo poético que activa a consciêcia do Ser e que se impõe ao espectador, como uma metapintura, para lá do que é suposto dos vínculos pictóricos representados.
É este, do nosso ponto de vista, o grande alcance estético, espiritual e filosófico dos trabalhos expostos.
Escritor e crítico de arte portuense.
Sérgio Mourão
09-02-98